A vinda da família real portuguesa para o Brasil
Introdução
A leitura é a essência de toda a formação humana. É através dela que enriquecemos nossos conhecimentos, ampliamos nossa visão de mundo e orientamos nossas atividades. Tendo em vista a importância da leitura para o desenvolvimento intelectual dos indivíduos foi desenvolvido o presente trabalho sobre a Vinda da família real para o Brasil, procurando enfocar os motivos que levaram a essa decisão e relatando as condições da viagem, que viria a ser conhecida como “A maior fuga oceânica da História e o que essa viagem representou para a formação do futuro Brasil.
Legenda: Chegada de D. João VI a Salvador/Óleo sobre tela
Cândido Portinari/ 1952/Coleção Banco BBM S/A
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para a motivação do tema foi utilizado uma imagem da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro, para que dessa forma, levasse o aluno a analisar e interpretar a fonte histórica que será utilizada pois de acordo com Maria Auxiliadora Schimidt – “O primeiro passo em sala de aula é fazer o aluno saber identificar o documento que está sendo trabalhado, se é uma fonte primária ou uma fonte secundária, e como ele se apresenta: de forma escrita, oral, iconográfica, material, arqueológica, por exemplo”.
Em seguida aos questionamentos sobre as fontes históricas, passou-se a leitura de diversos documentos históricos, que narram os fatos referentes ao conteúdo, procurando avaliar seus diversos significados , pois, segundo Jacques Le Goff – “O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias.”
Os conteúdos e as atividades foram trabalhados partindo da desmistificação dos documentos, para possibilitar ao aluno a formação da consciência histórica procurando fazer vários recortes temporais, e usando diferentes conceitos de documentos, levando a superação da noção de História como verdade absoluta.
A CORTE PORTUGUESA NO BRASIL
Chegada da Família Real portuguesa ao Rio de Janeiro em 7 de Março de 1808,
1999, Óleo sobre tela, 609 x 914 milímetros. Coleção Particular.
DESCRIÇÃO
O quadro representa, no centro, a nau Príncipe Real, onde tinham viajado a Rainha D. Maria I, o Príncipe Regente e os seus dois filhos, os infantes D. Pedro e D. Miguel, e o infante espanhol, D. Pedro Carlos de Bourbon, no momento em que acaba de fundear, usando a sua caranguejola, vendo-se o estandarte real a flutuar no mastro principal. Os pequenos botes ao redor da nau transportam personagens que não quiseram deixar de cumprimentar imediatamente a família real, já que o desembarque só se realizou no dia seguinte. Do lado esquerdo está a nau britânica Marlborough, que se encontrava na baía, a disparar uma salva, com a guarnição colocada nas vergas.
Do lado direito pode ver-se a nau Afonso de Albuquerque, que tinha transportado a princesa Carlota Joaquina e quatro das suas seis filhas, a começar a ferrar as velas preparando-se para entrar no vento e fundear. Atrás está a Medusa, que tinha transportado o ainda secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, António de Araújo de Azevedo, futuro conde da Barca, e a fragata Urânia, que escoltou o Príncipe Regente durante toda a viagem. Ao lado destas, a nau britânica Bedford, que tinha acompanhado a frota portuguesa desde as Canárias.
Mais à direita, na linha de costa o fumo branco representa a salva do forte de Villegaignon, que já não existe, vendo-se também - da esquerda para a direita - a costa de Niterói, a entrada da baía do Rio de Janeiro e o Pão de Açúcar.
INTERPRETANDO O DOCUMENTO
Que tipo de fonte está sendo usada?
O que esta fonte pode me informar?
Até que ponto posso acreditar nessas informações?
De que outros recursos necessito para complementar ou confirmar o que está sendo apresentado?
SITUAÇÃO DA EUROPA NO MOMENTO DA PARTIDA
Embarque de Dom João VI para o Brasil no dia 27 de Novembro de 1807, foto de Mário Novais, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - A10830 |
Nos primeiros anos dos séculos XIX grande parte da Europa estava sob o domínio de Napoleão Bonaparte, que se tornara imperador francês em 1804. O único obstáculo à consolidação de seu Império na Europa era a Inglaterra, que, favorecida por sua posição insular, por seu poderio econômico e por sua supremacia naval, não conseguiria conquistar. Para tentar dominá-la, Napoleão usou a estratégia do Bloqueio Continental, ou seja, decretou o fechamento dos portos de todos os países europeus ao comércio inglês. Pretendia, dessa forma, enfraquecer a economia inglesa.
Outro grande problema para os planos expansionistas de Napoleão era a posição dúbia do Governo de Portugal, que relutava em aderir ao Bloqueio Continental devido à sua aliança com a Inglaterra, da qual era extremamente dependente. O príncipe D. João, que assumira a regência em 1792, devido ao enlouquecimento de sua mãe, a rainha D. Maria I, estava indeciso quanto à alternativa mais menos danosa para a Monarquia Portuguesa, porém a decisão foi tomada e é o que veremos a seguir.
CONVERSANDO E APRENDENDO
O Bloqueio Continental foi uma estratégia da política externa napoleônica para derrotar um adversário. Você conhece algum país do mundo que adota este mesmo tipo de estratégia, na atualidade?
OS MOTIVOS DA VIAGEM
Desde o final do século XVIII, alguns letrados do Império Português retomavam a idéia, esboçada no século anterior, de mudança da sede da Coroa para a América. Devido à importância econômica das colônias americanas e à insegurança reinante na Europa, eles defendiam uma profunda reforma na estrutura política do império, que culminaria com esse deslocamento geográfico do poder monárquico. Essa teoria porém não é a mais difundida entre os historiadores, a partida da Família Real para o Brasil é narrada por muitos como tendo sido uma fuga súbita e atropelada, mas os acontecimentos narrados a seguir demonstram o contrário e defendem a teoria da fuga planejada.
Ao chegar ao Brasil , a corte portuguesa desembarcou com todo o acervo da Biblioteca Real – origem da atual Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro – devidamente embalado e catalogado, o mesmo acontecendo com obras de arte e documentos do arquivo real. Numa fuga decidida às pressas, ninguém pensaria em cuidar do acervo cultural e artístico com tanto esmero e tantas atenções técnicas. Não foi, portanto, um salve-se quem puder, mas uma alternativa longamente planificada e preparada.
Mesmo assim, os fatos parecem ter-se precipitado, criando, nos últimos dias da permanência da corte em Lisboa, um clima de forte agitação e correria. O embarque da família real é ordenado por D. João VI para o dia 27 de novembro de 1807, pela manhã. Naquele dia, sob os olhares apreensivos da gente comum, nobres desembarcam nos escalares que os levariam aos navios. A frota deveria partir na manhã do dia 28, mas o mau tempo retém os navios no porto por mais 24 horas, enquanto as tropas francesas se aproximavam perigosamente da cidade. Na manhã do dia 29, enfim, “ao nascer do dia”, põem-se em movimento as oito naus de linha, as quatro fragatas e quatro embarcações menores, que levavam a corte e mais uns quarenta navios mercantes, onde viajava a elite econômica e social de Portugal. No total, mais de 15 mil pessoas, numa das maiores fugas oceânicas de que se tem notícia, partiram para o Brasil com todos os tesouros do reino, deixando nos cofres públicos apenas os títulos de dívidas.
A fuga mudaria a história do Brasil. A Colônia, promovida de um momento para o outro na capital de um império ultramarino, jamais seria a mesma.
A ARMADA
A armada que levou a Corte para o Brasil incluía vários tipos de navios: naus, brigues, fragatas, escunas, bergantins e corvetas. Alguns eram enormes, bem armados de canhões, capazes de transportar muitos passageiros e grandes quantidades de carga.
Outros eram mais pequenos e mais velozes. Além dos navios ao serviço da Corte, foram para o Brasil mais quarenta alugados por particulares que se meteram ao caminho à sua própria custa. Uma esquadrilha de quatro navios ingleses acompanhou a armada para dar apoio em caso de ataque no mar alto. O comandante da armada era Manuel da Cunha Sotomaior. Para se ter noção da grandiosidade da viagem, veja a seguir a descrição das naus que trouxeram a família real portuguesa para o Brasil.
_Naus:
* Rainha de Portugal (74 canhões)
Nesta nau viajou D. Carlota Joaquina com alguns dos filhos mais novos.
*D. João de Castro (64 canhões)
Nesta nau viajou o Duque do Cadaval, o Conde de Belmonte e o Conde de Redondo.
*Príncipe Real (80 canhões)
Nesta nau viajou a rainha D. Maria I, o Príncipe Regente e o filho mais velho, D. Pedro.
*Princesa do Brasil (74 canhões)
Nesta nau viajaram as irmãs da rainha e duas princesinhas.
*Conde D. Henrique (74 canhões), Martim de Freitas (64 canhões), Afonso de Albuquerque (64 canhões)
*Fragatas: Medusa (74 canhões) - Minerva (44 canhões) - Jutra (32 canhões )- Golfinho (36 canhões)
*Brigues: Voador (22 canhões) - Vingança (20 canhões)
*Escunas: a Curiosa e Bergantins o Três Corações
PREPARATIVOS NO RIO DE JANEIRO
No Brasil o representante do rei de Portugal tinha o título de vice-rei. Na época o vice-rei era o Conde dos Arcos, que deu voltas à cabeça para organizar uma recepção devidamente animada e elegante e para preparar alojamentos onde instalar tanta gente. Em 1808 viviam na cidade do Rio de Janeiro cerca de 60.000 pessoas. Chegarem mais 15.000 de um dia para o outro era uma espécie de avalanche, uma "avalanche humana". Mas o Conde de Arcos não se atrapalhava com facilidade. Começou por despejar o Palácio dos vice-reis(1) e mandou limpar tudo muito bem para poder funcionar como residência real. Como este Palácio não tinha capela e ele sabia que as pessoas da Corte estavam habituadas a capela privativa, chamou carpinteiros e ordenou-lhes que construíssem rapidamente uma ponte de madeira ligando diretamente o Palácio à Igreja do Carmo, que ficava ao lado.
Quanto a estas medidas, todos concordavam, pois eram prédios públicos. Mas, como ele requisitou algumas habitações particulares para alojar gente da Corte, houve proprietários que ficaram revoltados com o abuso. No entanto, a maioria da população estava delirante. Nunca uma família real europeia pisara terras da América do Sul. Receber reis, rainhas, príncipes e princesas fazia as pessoas sentirem-se como personagens de contos de fadas. E a alegria natural dos habitantes do Brasil transformou logo os preparativos em grande festa.
Consta que D. João sorria e acenava feliz por se ver tão acarinhado. E que D. Carlota Joaquina chorava, talvez de comoção. Ninguém reparou especialmente nas reações do pequeno príncipe D. Pedro. Com nove anos, perante um ambiente colorido, barulhento, festivo, só podia estar maravilhado. Não podia era adivinhar que o destino tinha planos para entrelaçar a sua vida com o futuro daquela terra e daquela gente…
UMA ENTRADA TRIUNFAL
A armada reunira-se de novo e ancorara em frente ao Pão de Açúcar. Impossível descrever a euforia a bordo e em terra. Toda a gente ansiava pelo momento em que os canhões dariam sinal de desembarque. E isso aconteceu pelas quatro horas da tarde do dia 4 de Março de 1808. Ao primeiro "Boum", D. João desceu para um bergantim seguido da mulher e dos filhos. Enquanto os remadores faziam avançar a embarcação para o cais, os canhões atroaram os ares com salvas de boas vindas, repicaram em simultâneo os sinos de todas as igrejas, estalaram foguetes, bandas de música puseram-se a tocar, as pessoas davam vivas no maior entusiasmo. Guardas de honra formavam alas desde o cais à Igreja do Rosário onde estava tudo preparado para uma cerimônia religiosa destinada a dar graças a Deus pelo sucesso da viagem.D. João, D. Carlota Joaquina e os principezinhos seguiram em cortejo pelas ruas atapetadas de folhagens. As janelas das casas em redor tinham sido enfeitadas com grinaldas de flores, colchas de seda encarnadas e azuis. E as famílias vestidas com as melhores roupas e ostentando as melhores jóias debruçavam-se nas janelas a aplaudir.
RESIDÊNCIAS REAIS
Quinta da Boa Vista_ Rio de Janeiro
A família real, além do Palácio dos vice-reis que pertencia à coroa e foi posto à sua disposição, recebeu de presente uma quinta magnífica - A Quinta da Boa Vista em S. Cristóvão -, oferecida por um colono rico e amável. Essa quinta tornou-se a residência preferida de todos. Atualmente o Palácio de S. Cristóvão é o Museu de História Natural e Etnologia. A Quinta é um parque onde há plantas de todo o mundo.
D. JOÃO VI NO RIO DE JANEIRO
Com a chegada de D. João VI, o Rio de Janeiro entrou em ebulição. Várias transformações marcaram o cenário político-social da cidade: o Decreto da Abertura dos Portos às Nações Amigas transformou o porto do Rio num importante centro financeiro-comercial; o crescimento populacional foi outro fator marcante, devido ao grande número de nobres e funcionários da corte portuguesa que formavam a comitiva do rei; a criação do Banco do Brasil e de novas instituições administrativas, trazendo para o Rio de Janeiro os ares da metrópole. Os hábitos culturais se modificaram, pois fazia-se necessário satisfazer a demanda de uma aristocracia que valorizava a cultura européia.
D. João VI encontrou uma cidade pobre, sem planejamento urbano e saneamento básico, com ruas estreitas, sujas e apinhadas de escravos, ambulantes e "bugres", escravos responsáveis pelo despejo de dejetos na baía. O Paço Imperial, residência oficial do Vice-Rei, possuía uma arquitetura pobre, sem adornos, ainda no estilo colonial "porta e janela", sem mobiliário adequado para receber um monarca e, sobretudo, muito pequeno para abrigar a comitiva rea. Outras residências serviram de abrigo para a corte: o Convento das Carmelitas, onde ficou D. Maria I; a Casa do Trem (atual Museu Histórico Nacional); o prédio da Cadeia, vizinho do Paço, que virou residência de aristocratas. Não satisfeito, D. João decretou que as melhores casas da cidade fossem cedidas para os nobres que ainda não tinham moradia. Cada casa escolhida pelos oficiais do rei deveria ser desocupada imediatamente, sendo a porta carimbada com as iniciais P.R. (Príncipe Regente), que, no humor nativo, logo se transformou em "Ponha-se na Rua".
Durante os treze anos de sua estadia no Brasil o regente português criou várias instituições culturais, como a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, o Real Gabinete Português de Leitura, o Teatro São João (atual Teatro João Caetano), a Gazeta do Rio de Janeiro (sob censura régia), a Imprensa Nacional, o Museu Nacional, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Outras medidas que deram grande impulso à cultura foram a reorganização da Capela Real e a vinda da Missão Artística Francesa (1816), que trouxe ao Brasil nomes como Joachim Lebreton (pintor), Nicolay Antoine Taunay (pintor), Auguste Marie Taunay (escultor), Jean-Baptiste Debret (pintor), Augusto Henrique Vitório Grandjean de Montigny (arquiteto), Sigismund Neukomm (compositor, organista e mestre-de-capela).
A vinda da família real portuguesa para o Brasil foi decisiva para a consolidação do país como nação independente, pois após o retorno da corte para Portugal a colônia agora já contava com uma estrutura de capital e com um principe regente, D. Pedro I, que anos mais tarde Proclamaria a Independência do Brasil.
1) Que evidências históricas são utilizadas para justificar a fuga da Família Real para o Brasil como tendo sido planejada?
2) Explique as conseqüências das guerras napoleônicas em relação a Portugal e Brasil.
QUEM VIVEU CONTA A HISTÓRIA
* Faça uma pesquisa de imagens sobre o Brasil, feitas por artistas estrangeiros como Debret, Thomas Ender, Taunay, August Earle, Rugendas, Martius e Spix. Anote suas conclusões a respeito da sociedade e da paisagem brasileira no início do século XIX.
PARA SABER MAIS
*Leituras
TUFANO, Douglas. Jean-Baptiste Debret. São Paulo:Moderna, 2000. Livro com farta iconografia de Debret, destacando a biografia do artista. Escrito em linguagem simples e acessível, voltada principalmente para o público infantil.
JAF, Ivan. A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro. São Paulo: Ática, 2001. (Col. História do Brasil através dos Viajantes). Adaptação do relato de John Luccock, um comerciante inglês que chegou ao Rio de Janeiro no período joanino.
* Filme
Carlota Joaquina, princesa do Brasil. Direção: Carla Camurati. Brasil, 1995, 100 min. De maneira bem-humorada, o filme conta a vinda de D. João e sua esposa Carlota Joaquina para o Rio de Janeiro, onde permaneceram por treze anos.
*Site
Um francês na corte do Brasil
www.estadao.com.br/ext/debret/catalogo.htm
O endereço acima, leva a um interessante catálogo virtual de imagens produzidas por Debret durante a permanência da família real portuguesa no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRAICK, Patrícia R, e MOTA, Myriam B.
História das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Moderna, 2006
MELLO, Leonel Itaussu de A. e COSTA, Luís César Amad. História – Construindo Consciências. São Paulo: Editora Scipione, 2007.
Paraná Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná. Curitiba SEED, 2006
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. As fontes históricas e o ensino da História. São Paulo: Scipione, 2004
LEGOFF, Jacques. História e memória. São Paulo: Editora da UNICAMP, 2003
SITES VISITADOS
http://www.arquenet.pt/portal/imagemsemanal/novembro0203.html
http://www.contelar.com.br/revista/edicao44/fuga1.htm.
http://www.passeiweb.com/saiba_mais/fatos_historicos/brasil_america/vinda_da_familia_real